terça-feira, 4 de março de 2014

Corno


           Seo Zé. José de Almeida Santiago, 60 anos bem aproveitados. Mais de 40 vividos na cidade dos táxis laranjas. Morador do Boqueirão há três décadas. Acorda todo dia com o céu já nublado (como de praxe) e o galo “Nego” já cantando. Passa seu café no pano nunca lavado, “isso que dá aquele gostinho do campo” diz o mais antigo, e agora único, revelador da cidade de Curitiba. Sim, fotos! Pleno século 21 e lá está ele todo dia no centro histórico da cidade, o Largo da Ordem, revelando manualmente, uma por uma, as fotos dos, também saudosos, clientes que insistem nesse velho hábito. “Ainda acredito que isso é uma arte”, diz com todo orgulho a jovens, e às vezes não tão jovens, transeuntes que se assustam com a sua profissão quase que pré-histórica.
Foto: André Pinto Donadio (Dedezão -
https://www.flickr.com/photos/dedezaofotos/)
            Corno convicto, carrega o adjetivo quase como um apelido. Assim como se orgulha de ser um artista, orgulha-se também do amor que tem por Neusa, sua mulher: “Amar é ser fiel a quem nos trai”, cita Nelson Rodrigues a qualquer pessoa que tenha coragem suficiente para tocar no assunto. Afinal, passou a ser quase que um ponto de referência: “Seo Zé. O corno, sabe?”, “Logo ali depois da lojinha do Seo Zé, o corno”, e muitas outras.

            2 de janeiro de 2014, resolveu abrir a loja como todos os dias normais do ano, não se importando de ser o único aberto na região. Poderia viver mais um dia na solidão daquela cidade cinza, só não poderia viver a mais uma tarde de ócio sem o Bar Batana, o estabelecimento vizinho. Resolveu então, as 15:30, fechar as portas e voltar para casa. Dia e horário incomum, nem mesmo uma alma viva no tubo ou dentro do biarticulado. Esperava ansioso o momento de abrir a geladeira e terminar mais um dia com suas cervejas e um pouco de TV.
            Sentiu logo na esquina de sua rua que havia algo estranho. “Porque cargas d’água o Arantes está aqui uma hora dessas? Sabia que eu ia abrir a loja hoje!” questionou-se em voz alta ao avistar o carro do amigo estacionado em frente a sua casa. Entrou e foi direto a geladeira. Furioso, saiu em direção ao quarto sem sequer perceber o chapéu e a blusa do “cumpadi” jogados no sofá da sala. Abriu a porta e com apenas dois passos chegou ao baú antigo ao pé da cama (herdado de sua mãe, da época em que ainda vivia no campo e tomava aquele seu café gostoso!). Tirou o seu revólver 38, escondido embaixo de suas cuecas, e deu três tiros. Dois no peito de Arantes e um na perna de sua amada.
            “Filhos da puta! Me deixaram uma única cerveja...”

Um comentário:

Mayara disse...

Bom reler. Tem cheiro. Tem mais aí?